A
mochila
Chegava
ao meio do corredor e deixava cair a mochila, um monstro que lhe arreava as
costas, com tal desprezo que se esquecia dela. Só quando a mãe resmungava por a
ter deixado no meio do caminho é que ela lhe vinha outra vez à lembrança.
O mundo
O que sabia do mundo devia-o a um enorme esforço e a um
sacrifício doloroso, com que dava cabo da cabeça. Os mapas, onde a professora
lhe exigia que soubesse localizar os continentes, os oceanos, os países, as
capitais... eram uma verdadeira tortura! Nunca conseguira perceber bem aquela
ideia idiota de fazer de conta que o Planisfério era a representação do
planeta, mas no plano, apesar de o planeta ser uma esfera. Se era uma esfera
deveria ser representado apenas por uma esfera! Ao olhar para o Globo Terrestre
não tinha qualquer dificuldade em compreender o que ele representava: sendo a
Terra esférica, pronto, o Globo Terrestre representava-a. Apenas era necessário
que a fizessem encolher muitas vezes até ficar do tamanho do globo. Agora,
desenhar num papel plano uma esfera para que se pudessem ver todos os lados,
mesmo os que ficavam por trás e por baixo... Não lhe parecia nada fácil de
entender! A professora tinha explicado que se abria a esfera ao meio, pelo
Oceano Pacífico, que a parte norte ia para cima do Equador, ficando o
hemisfério norte, e a outra ia para baixo, mostrando o hemisfério sul...
E as coisas ainda ficavam mais
difíceis de compreender, quando se sabia que este planeta era o mundo em que
vivemos todos os dias! Assim, sendo a Terra uma esfera, como é que podíamos
viver em cima dela sem perdermos o equilíbrio? E mais, como é que a parte da
esfera, que ficava por baixo, também podia estar povoada?!
Com tantas dúvidas, a sua cabeça
era uma grande confusão, que até já lhe tinha valido uma negativa a História e
Geografia. Mas, o pior era que quase todas as disciplinas lhe pareciam
engenhosamente montadas para que ela as não entendesse. E não era por não se
esforçar pois, nas aulas, quando não a arreliavam, Angelina até procurava estar
atenta. Chegava mesmo a entender algumas coisas... só que, de repente, tudo
parecia dar uma volta muito esquisita, o que fazia com que ela se sentisse
perdida. Ainda assim, o pior era que os professores davam conta que ela não
sabia!
O
prazer da leitura
Pouco a pouco, o enfado
que os livros lhe costumavam provocar começara a surgir. Aliás, nunca
conseguira compreender o que era isso do “prazer da leitura”. Custava-lhe a
acreditar que existisse alguém capaz de não fazer coisas divertidas, como
brincar ou passear, só para ficar sentado a ler um livro. Só o esforço que era
necessário fazer para conhecer as palavras e lê-las sem se enganar tirava,
logo, todo o interesse por conhecer uma história nova, por mais interessante
que ela fosse.
Os
amigos
“É muito bom ter amigos!”
- Nunca tinha pensado no
caso a sério - confessou ela - mas agora sinto que a Rita tem muita razão no
que diz. É muito bom. Anima, verdadeiramente, descobrirmos alguém a torcer por
nós, quando tudo parece querer cair-nos em cima, quando parece que vamos ser
arrastados por um terrível vendaval, quando parece que vamos ser engolidos por
uma tremenda tempestade... Faz-nos sentir uma satisfação muito boa cá
dentro!
De seguida, cruzando os
braços sobre o peito, como que para tentar convencer o espelho do sentimento
verdadeiro da afirmação que ia proferir, murmurou:
- Pode não nos salvar da
desgraça, mas alivia muito a dor!
Os
professores
Alguns professores
eram estranhos, falavam alto e usavam palavras que ela desconhecia o
significado. Além disso, não permitiam que se desse um recadinho a um colega,
nem que se fosse à casa de banho durante as aulas. Ainda assim, a maioria dos
colegas da turma eram todos sorrisinhos para eles e, muitos, até a pasta lhes
carregavam! Pois, ela achava que eram todos muito grandes, frios, mesmo
desumanos, por não serem capazes de perceber que o intervalo era muito
pequenino e, pior do que isso, por não serem capazes de imaginar que nós não
mandamos no nosso corpo, ao ponto de lhe podermos dizer: "Agora tens que
ter vontade de fazer xixi... Agora não é a altura para isso! Só tens que
esperar mais noventa minutos...".
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