Diário,
Segunda-feira 15h.20
Na minha turma as coisas
acontecem mais ou menos ao acaso, mas depois como que vai tudo atrás. No início
do ano, toda a gente andava de blocozinho na mão a anotar os números de
telefone de toda a gente. Parecia que a partir dali se ia iniciar uma conversa gigante
entre todos os alunos. Agora, entre as meninas, também surgiu a moda do diário.
É uma maneira de não esquecermos as coisas que nos vão acontecendo, garantiu a
Rita quando eu disse que não achava grande piada ao caso e até achava piroso.
Claro que não lhes contei
que já há muito tempo que eu tenho um diário, o espelho do meu quarto! Esse é
que é um verdadeiro diário: está sempre disponível para me ouvir... Está sempre
atento e, ainda melhor, ninguém consegue descobrir o que eu lhe digo.
O diário tem que ser uma
coisa só nossa, íntima, explicou a Rita. Temos que arranjar um sítio onde
ninguém consiga descobri-lo. Se alguém o descobrir e o ler, é como se alguém
conseguisse entrar dentro de nós e visse como somos por dentro... Como é a
nossa cabeça e até a alma porque é com elas que o diário deve ser escrito.
Claro que aqui eu tive
que fechar a minha boquinha com sete trancas porque senão, dava bronca. A
melhor forma de nunca ninguém o descobrir era não o escrever! Mas, todas
acharam imensa piada à Rita e, para não ficar para trás, lá convenci a minha
mãe a comprar-me um diário. Tem lacinhos cor-de-rosa e um gato todo rechonchudo
a lamber as beiças.
Quinta-feira, 19h.10
Não tenho muito jeito para me pôr a falar com um diário.
Ainda por cima tenho que falar devagarinho, porque não consigo escrever
depressa. Com o espelho é tudo muito mais simples e até parece mesmo natural.
Eu posso falar para a cara que está à minha frente, como se ela fosse de uma
pessoa a sério. Apenas tenho que me esquecer que aquela cara é a minha e não
olhar para a boca para não perceber que ela está a dizer o que eu estou a
falar! Além disso, com o espelho é muito mais giro porque com o diário não dá
para falarmos com nós mesmos. Falamos, melhor, escrevemos, escrevemos... Mas
não estamos a olhar para nós. Com o espelho quase se pode dizer que estamos
cara a cara, ou a falar de olhos nos olhos!
Sábado, 10.30
A Rita é uma chata. Anda sempre a azucrinar-me o juízo
com coisas que não entendo e não servem para nada. Agora, não me larga porque
diz que eu tenho que levantar a cabeça quando falo com os "setores"
ou com outras pessoas.
Terça feira 19.30
Estou quase a explodir, como diz a minha mãe, ou estou possuída, como diz a minha avó, ou estou com ganas de matar alguém como eu gostgo mais de dizer. E a vontade era deitar as mãos àquele filho da mãe do Pedro e dar-lhe cabo da cabeça. Nunca fui com a cara dele, nem nunca fui capaz de achar piada às gracinhas que manda e que fazem rir as meninas todas. Eu acho que até é por isso que ele acha que é o maior! Ainda assim, não tem nada que me gozar, quanto mais fazer-me piretes! Eu que o apanhe a jeito e vou dizer-lhe a quem é que ele tem que fazer piretes. Acho que ele não me conhece!
Sem comentários:
Enviar um comentário